BENFIIIIIIIIIIIIIIIIICA!...
"Quando vou ao Lux, vou com o Carlucci. É o meu
melhor amigo, o único. Somos ambos de extremos: ou bebemos muito ou não
bebemos nada, ou saímos todas as noites ou ninguém nos vê durante três
meses. O Lux é um lugar privilegiado onde nunca se sabe quem se vai
encontrar, o que pode acontecer. Também pode não acontecer nada. Então
ficamos os dois sossegados sentados num sofá confortável a ouvir a
música e a ver gente que dança à nossa volta. Não deixa de ser
misterioso tantas pessoas juntas tomadas pela divindade que conhece como
ninguém a música e o álcool e o sexo. Sim, o Lux também é um lugar
sagrado onde habita um deus grego e as suas musas encantadas. Ninguém
ali quer saber do tempo, o horrível fardo que diariamente quebra os
nossos ossos. Ninguém ali está interessado em saber o quer que seja do
passado ou do futuro. O presente é mais do que suficiente. Cada um é um
mundo que não pretende ser desvendado, esclarecido, explicado. É outra a
lucidez pela qual somos tomados.
O Carlucci diz, se continuamos a beber a este
ritmo shots de vodca com coca-cola o melhor será voltarmos de táxi. A
sensatez do meu amigo sempre me espanta. Tem os olhos verdes,
penetrantes e é livre onde quer que esteja. Para mais conduz como
ninguém e é cinto preto de judo o que me deixa sempre mais à vontade
quando voamos por ruas escuras bem frequentadas.
Só mais este. Mas nunca é o último. Olha a
Maria. Olha ali outra. Dançam da mesma maneira, já notaste? Aquela é
gira como o caraças. Vamos ter com elas? Não vamos nada.
Por vezes acontecem coisas engraçadas. A uma
bela rapariga cai-lhe de repente a saia de seda vermelha. Três mulheres
pousam dentro de uma gigantesca gaiola de ferro forjado enquanto flashes
rebentam na sala. Na parede repetem-se spots projectados onde uma
mulher beija uma mulher que beija um homem e outro mais hesitante. O
normal fica lá fora. A Raquel continua linda a trazer-nos mais shots e
Coca-colas e a Maria queixa-se, os meus sapatos não condizem com o top e
o top não condiz com os sapatos.
Vamos dançar? Vamos. Ninguém dança com ninguém.
Todos estão concentrados em si e na música que por eles passa,
emocionante. O movimento dos corpos não segue qualquer regra. Vive-se
uma liberdade proibida, escandalosa para os que ficaram em casa fixados a
um aparelho onde se espelham todas as misérias ou já se entregaram ao
sono que tudo apaga. Ali é preciso coragem e muita disciplina. Todos os
excessos são controlados por gente bem-educada.
A Maria não pára de mandar mensagens
electrónicas. É para alguém que lhe dá pica, esclarece o Carlucci em
linguagem modernizada. O Cardoso faz-me falta, não o vejo em nenhum
lugar faz anos. Lembro-me dos tempos em que Lisboa se arrumava num
espaço frágil de cem metros quadrados. Mas ali não há lugar para
nostalgias e a divindade enfurece-se e manda vir mais shots que
entontecem a razão de todas as coisas, porque as coisas não têm razão
são e é tudo.
Olha o Afonso. Dá cá um abraço. E logo o Xico
comenta, bom mas bom. Porque o Lux é um lugar de encontros e
desencontros. Ainda estás vivo? Sabes do Miguel? Não sei nada, estou
preocupado. Parece que vai fazer mais um filme e se retirou do mundo
para o escrever. O Lux é uma Ágora, o ponto de encontro, onde se trocam
informações que não aparecem nos telejornais, em parte alguma. E o
desencontro é estar com alguém que se desvanece num momento e não é
possível recuperar se não permanecendo estoicamente no mesmo lugar. Se
tentarmos procurar, ficamos perdidos.
A Maria não pára de dançar. Os braços no ar
multiplicam-se. Alguém beija alguém subitamente. Um novo amor pode
começar. Uma paixão termina por ciúmes violentos. Quanto a mim
apaixono-me por um grupo de raparigas.
O Lux é um farol na noite, uma luz que demora a brilhar até à madrugada.
E quando por fim saímos despedimo-nos do Alfredo e do Miguel e dizemos, obrigado."
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